Ludmila Pereira*
Aline Teodoro**
A área mais alagada do mundo é tema de incidência política diante das queimadas criminosas e seca extrema intensificadas neste ano
Com o objetivo de chamar a atenção do poder público e da sociedade civil para o agravamento progressivo das queimadas criminosas no Pantanal, representantes de movimentos, comunidades tradicionais, brigadistas e entidades que integram a Articulação Agro é Fogo estiveram no município de Corumbá (MS), no Instituto Federal de Mato Grosso do Sul (IFMS), em novembro, para denunciar e sensibilizar a sociedade sobre os impactos sobre a vida dos povos e comunidades tradicionais pantaneiras.
Durante o seminário “Ecoando as vozes do Pantanal na defesa dos territórios de vida e da sociobiodiversidade”, e a Audiência Pública intitulada “O impacto dos incêndios nos modos de vida, saúde, segurança alimentar e renda das comunidades tradicionais pantaneiras”, se teve a escuta da população e de brigadistas para a formulação de estratégias coletivas para a prevenção e o enfrentamento ao processo de devastação, bem como, os desafios dos brigadistas, as ameaças à segurança alimentar e a saúde pública, demandas que foram levadas à Assembleia Legislativa, representada pela mandata da deputada Gleice Jane.
“A gente não coloca fogo, mas o fogo chega pra nós. O que será do Pantanal?”, relata, preocupada, Leonida Aires, a respeito das baías rachadas devido às secas que vem avançando desde 2018 na região e as queimadas intensas deste ano.
Como presidente da Associação Renascer, artesã, brigadista e moradora na Comunidade Barra de São Lourenço (MS), que está em processo de reconhecimento como área indígena, Leonida relata que até para trabalhar estão tendo dificuldades, pois dependem da fibra do aguapé para realizar as peças. Mas, sem água em abundância e muito fogo, o material está em falta, comprometendo a subsistência, especialmente do grupo de mulheres artesãs. “Queimou praticamente tudo, nós temos que sair bem longe para poder tentar achar alguma coisa”, conta.
“Minha filha, depois que ganhou neném, ela entrou em depressão, porque ela via as caixas dela tão seca e não tinha água nem para tomar banho, nem para beber”, relata Vera Batista, Brigadista, do Assentamento São Gabriel (MS), de 60 anos de idade, e que diz nunca ter visto o Pantanal como está hoje. A liderança ainda lembra que a devastação vem gerando a morte de animais e dos alimentos, mas também, a morte direta de pessoas, como ocorreu nos municípios de Sonora e Corumbá em que dois brigadistas perderam a vida durante as tentativas de apagar o fogo.
Emergência climática: No Pantanal tem gente!
Gabriel Faggioni, pesquisador no Instituto Federal do Mato Grosso do Sul, apresentou, durante o evento, o que vem ocorrendo no Pantanal, desde 1960 com os incentivos nacionais a ocupação do agronegócio, e como a situação se agrava diante da ausência de políticas efetivas para o território. Só em 2020, um terço do Pantanal queimou (40 mil km2 = aumento de 380% acima da média dos últimos 20 anos). E 43% dessas áreas não queimavam há quase 20 anos.
O pesquisador ainda lembra que o Pantanal, Patrimônio Natural da Humanidade e Reserva da Biosfera, foi o bioma que mais queimou nos últimos 38 anos, a maioria dos incêndios são iniciados por ações humanas que resultam em mortalidade animal, atraso e morte de alimentos e plantas, como a Bocaiuva, que é fonte de renda para comunidades tradicionais.
De acordo com o Monitor do Fogo, no Pantanal, a área queimada entre janeiro e outubro de 2024 aumentou 1.017%. Foram 1,8 milhão de hectares – ou 1,6 milhão a mais que o mesmo período do ano passado. Foi o bioma que mais sofreu com as queimadas em quatro décadas, atingindo quase 60% do bioma, e a ação humana segue como a principal causa, de acordo com o estudo.
Considerada a área mais alagada do mundo, sua destruição significa impactos à vida dos povos e comunidades tradicionais pantaneiros, a morte da sociobiodiversidade e dos recursos naturais da região. Fatores que se intensificaram com a seca prolongada e as queimadas criminosas, o que acelera as mudanças e desequilíbrio climático na região.
Segundo o Dossiê da Articulação Agro é Fogo, o avanço da agropecuária no Pantanal, junto a ações políticas do Estado e ausência de políticas públicas efetivas de combate e fiscalização das queimadas, vêm, por anos, acionando o contexto atual. Desde 2020, as queimadas têm atingido áreas no entorno do Rio Paraguai, que antes eram permanentemente alagadas, mas depois de 2019 apresentam períodos de seca que deixam a região suscetível ao fogo como foi registrado nas queimadas recentes.
Conforme nota técnica do Mapbiomas, o Pantanal foi o bioma que mais secou ao longo da série histórica. Em 2023, o bioma apresentou uma superfície de água anual de 381 mil hectares, o que representa uma redução de 61% em relação à média histórica. Comparado a 2018, o ano da última grande cheia do bioma, a superfície de água em 2023 foi 50% menor. O período de seca antecedeu o atual cenário de queimadas intensas em 2024.
Em comparação ao mesmo período em 2023, de janeiro a novembro, de acordo com dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE Queimadas), houve um aumento, esse ano, de 136%, concentrando mais de 14 mil focos de calor no Pantanal. É o bioma que mais queimou em comparação aos outros.
E, considerando que se trata do menor bioma do Brasil, a situação de devastação é acelerada. Corumbá, que é o maior município do bioma, foi onde 72% da área queimada já foi afetada duas ou mais vezes, e também foi onde mais se perdeu a superfície de água em 2024, em comparação a 2021.
Gabriel Faggioni, biólogo e pesquisador no Instituto Federal do Mato Grosso do Sul, finalizou ressaltando pontos para que o Pantanal tenha outro futuro: Mudança nos paradigmas produtivos, implementação e fortalecimento de Sistemas Agroflorestais, Manejo integrado do Fogo, restauração das nascentes e cursos d´água, destinação de terras e Educação Ambiental.
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A Articulação Agro é Fogo reúne mais de 50 movimentos, organizações e pastorais sociais que atuam há décadas na defesa da Amazônia, Cerrado e Pantanal e seus povos e comunidades. Surgiu como reação aos incêndios florestais e queimadas criminosas que assolaram o Brasil em 2019 e 2020 e, desde então, denuncia que, no caso dos incêndios, o fogo está ligado à cadeia do agronegócio, à grilagem e ao desmatamento. Além disso, traz o anúncio de povos e comunidades tradicionais que resistem em seus territórios e que utilizam o fogo como prevenção dos incêndios e gerador de vida, com cuidado e respeito.
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*Coordenadora de comunicação da Articulação Agro é Fogo.
** Integrante da Marcha Mundial das Mulheres (MS).
Foto de destaque: Incêndio consome vegetação da fazenda Paraíso, na região da Nhecolândia, em Corumbá (MS) – Lalo de Almeida / Folhapress