Principais Mensagens

A Articulação AGRO é FOGO mobiliza o debate público a partir de algumas mensagens comuns, que são aprofundadas nos artigos desta Plataforma:

1) A intensificação do desmatamento e incêndios florestais nos últimos dois anos tem que ser entendida como um desafio comum na defesa da Amazônia, Cerrado e Pantanal

Após um esforço sustentado de contenção das taxas de desmatamento na Amazônia Legal que gerou quedas expressivas a partir de 2005, o quadro tem mudado nos últimos anos, atingindo recordes em 2019 (10.129 km2) e 2020 (11.088 km2) em relação a toda década anterior. Além disso, de acordo com dados do INPE, 43,6% dos focos de queimadas na Amazônia estão associados a desmatamento recente.

Desmatamento anual na Amazônia Legal

Fonte: Terra Brasilis/PRODES/INPE, 2021.
Fonte: Terra Brasilis/PRODES/INPE, 2021.

O Dia do Fogo em 2019, no eixo da BR-163 e Transamazônica, é a expressão mais dramática dos processos que fazem de Pará e Mato Grosso os estados campeões no desmatamento acumulado na região, com 34,46% e 32,34% respectivamente. O histórico arco do desmatamento na borda sul e leste da Amazônia, que acompanha a expansão da fronteira agrícola, tem entrado rumo ao coração da floresta no eixo das estradas por meio das ações de desmatadores e grileiros, que se aproveitam do clima de impunidade. Outras atividades criminosas que provocam a degradação da floresta, como o saqueio madeireiro – implementado majoritariamente com trabalho escravo – e o garimpo, sobretudo em terras indígenas e unidades de conservação também têm se expandido nesse contexto.

O Cerrado parte de um processo histórico de mais de quatro décadas de intenso desmatamento, que já devastaram mais da metade da savana brasileira e pode implicar em sua extinção no curso de poucos anos, caso nada seja feito para conter o processo. Sua área de transição com a Amazônia é justamente considerada o arco de desmatamento histórico da floresta, pois ali a fronteira agrícola pressiona por expansão a partir do Cerrado, e é também a região com maior intensidade de conflitos no campo no país (dados da Comissão Pastoral da Terra). Por outro lado, na fronteira agrícola do Matopiba, o Cerrado foi mais desmatado nos últimos 20 anos (12,23 milhões de hectares entre 2000 e 2019) do que nos 500 anos anteriores (10,75 milhões de hectares até o ano 2000), de acordo com dados do PRODES Cerrado do INPE. Entre os municípios campeões de crescimento de desmatamento no Cerrado predominam os de fronteira agrícola da soja no Matopiba.

Incremento de desmatamento acumulado no Cerrado – por município

Fonte: Terra Brasilis/PRODES/INPE, 2021.
Fonte: Terra Brasilis/PRODES/INPE, 2021.

Como o Cerrado alimenta importantes aquíferos (como o Guarani e o sistema Urucuia-Bambuí) e bacias hidrográficas (Paraguai, Paraná, São Francisco, Doce, Jequitinhonha, Parnaíba, Itapecuru, Tocantins, Araguaia, Tapajós, Xingu, além de vários afluentes do rio Madeira), o desmatamento acelerado nas chapadas da região tem provocado a morte ou baixas históricas de muitos rios que banham as demais regiões brasileiras e partes da América do Sul.

Dentre eles, está o rio Paraguai que alimenta a maior extensão de terras continentais alagadas do planeta: o Pantanal. Se a planície pantaneira já vinha sofrendo os impactos do desmatamento nas chapadas do Cerrado nas águas, nos últimos dois anos, a devastação foi de grandes proporções: foram mais de 10 mil focos em 2019 e, em 2020, o recorde histórico de 22 mil focos.

Focos de fogo no Pantanal​

Fonte: INPE, 2021.
Fonte: INPE, 2021.

O mês de setembro de 2020 teve 4 vezes mais focos do que a média histórica para o mês. Ao longo do ano, cerca de 30% do Pantanal foi queimado pelo fogo. Os municípios mais atingidos foram Corumbá – MS (mais de 8 mil focos), Poconé – MT (5,5 mil focos) e Cáceres – MT (2,7 mil focos), áreas de expansão da fronteira agrícola.

2) A responsabilidade do agro: os incêndios florestais são parte das estratégias para consolidar a grilagem

Os grileiros se aproveitam da leniência do governo para incendiar o Pantanal, o Cerrado e a Amazônia e, assim, destruir a vegetação das terras públicas, em sua maioria devolutas e tradicionalmente ocupadas, buscando consolidar processos de grilagem. Contam, desde o princípio, com a perspectiva de posterior regularização fundiária sobre as terras griladas, ou mesmo com a conivência dos Cartórios de Imóveis, e com a anistia do desmatamento ilegal, mesmo sobre áreas de reserva legal obrigatória de imóveis rurais já regularizados. É um ciclo histórico de desmatamento, fogo, grilagem e anistia, baseado na certeza da impunidade, e aprofundado por um governo que desmonta os órgãos de fiscalização e monitoramento e arma as classes proprietárias rurais para avançar com a pistolagem e conflitos no campo.

O Estado brasileiro tem buscado institucionalizar a grilagem de terras através de diferentes ações. As medidas de flexibilização da regularização fundiária e ambiental em múltiplas escalas adotadas na última década, a ausência de fiscalização nos registros de propriedades rurais nos cartórios de imóveis, bem como a atuação conivente de diversos setores do Sistema de Justiça com a apropriação ilegal de territórios tradicionais promovem diretamente o aumento do desmatamento, e impactam os modos de vida dos povos do Pantanal, do Cerrado e da Amazônia. Em especial, o projeto de lei 2633, o “PL da grilagem”, em tramitação, sinaliza aos grileiros a perspectiva de futura anistia.

Ainda que as fronteiras entre o desmatamento legal e ilegal sejam tênues, justamente pelo ciclo histórico de anistia e regularização da ilegalidade, estudos apontam que 62% do desmatamento ilegal estrito senso no Cerrado e na Amazônia (em termos de hectares desmatados), entre 2008 e 2019, esteve concentrado em 2% das fazendas dessas regiões. O Pantanal é emblemático dessa dinâmica: a maior parte da destruição do Pantanal mato-grossense por incêndios (480 mil ha) em 2020 ocorreu no período proibitivo do fogo no estado, iniciado em 1º de julho de 2020. Cerca de 67,5% do total (324 mil ha) foram incendiados a partir de nove focos iniciais, cinco dos quais localizados em fazendas inscritas no Cadastro Ambiental Rural (CAR) como imóveis rurais privados. Os proprietários dessas fazendas comercializam gado para os grupos Ammagi e Bom Futuro que, por sua vez, fornecem gado para conglomerados como JBS, Marfrig e Minerva. Estes focos foram a origem do fogo que queimou aproximadamente 117 mil hectares no Pantanal (área equivalente à cidade do Rio de Janeiro). Outros três pontos de incêndio iniciaram em áreas não cadastradas e impactaram 148 mil hectares. A tríade grilagem-incêndios-desmatamento é a marca registrada do governo Bolsonaro.

As áreas desmatadas são postas para a produção de commodities agrícolas – e não alimentos – destinadas, na sua maioria, para a exportação, carregando consigo o sangue dos povos e a devastação dos territórios. Enquanto o governo sacrifica as matas e florestas para viabilizar a detenção de terras públicas e exportar commodities, a segurança alimentar se deteriorou no Brasil e regrediu a níveis inferiores a 2004, primeiro ano de medição pelo IBGE.

3) O governo Bolsonaro é cúmplice da devastação por ação e omissão

O aumento do desmatamento e dos incêndios é reflexo do desmonte e militarização de órgãos ambientais em conjunto com a flexibilização das políticas de controle do desmatamento. Não há de se esquecer que em um jantar com conservadores americanos no primeiro trimestre do seu governo, em março de 2019, Jair Bolsonaro afirmou sem pudor que “O Brasil não é um terreno aberto onde nós pretendemos construir coisas para o nosso povo. Nós temos é que desconstruir muita coisa. Desfazer muita coisa. Para depois nós começarmos a fazer.” Foi nessa mesma toada que um ano depois, em abril de 2020, o ministro Ricardo Salles desenhou a infame estratégia de aproveitar que a atenção da mídia estava voltada para a pandemia para mudar regras infralegais e “ir passando a boiada”.

Como parte da implementação desse desmonte, o orçamento do Ministério do Meio Ambiente (MMA) praticamente desapareceu. Apesar do aumento do desmatamento e dos incêndios florestais, o governo propôs para o ano de 2021 o orçamento mais baixo dos últimos 21 anos para o ministério. O Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2021 (PL 28/2020) encaminhado pelo governo Bolsonaro ao Congresso prevê 1,72 bilhões, com 88% do orçamento discricionário comprometido com gastos administrativos rotineiros, como aluguéis e terceirizados. Com esse orçamento, o MMA terá autorização para gastar apenas R$ 4,6 milhões com atividades fins, o que na prática significa a extinção do ministério, sem o ônus de fazê-lo formalmente, tal como prometido na campanha presidencial.

Como parte da implementação desse desmonte, o orçamento do Ministério do Meio Ambiente (MMA) praticamente desapareceu. Apesar do aumento do desmatamento e dos incêndios florestais, o governo propôs para o ano de 2021 o orçamento mais baixo dos últimos 21 anos para o ministério. O Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2021 (PL 28/2020) encaminhado pelo governo Bolsonaro ao Congresso prevê 1,72 bilhões, com 88% do orçamento discricionário comprometido com gastos administrativos rotineiros, como aluguéis e terceirizados. Com esse orçamento, o MMA terá autorização para gastar apenas R$ 4,6 milhões com atividades fins, o que na prática significa a extinção do ministério, sem o ônus de fazê-lo formalmente, tal como prometido na campanha presidencial.

O Instituto Chico Mendes de Conservação e Biodiversidade (ICMBio) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) são alvos das constantes reestruturações da pasta ambiental, que ocorrem através da redução orçamentária e da nomeação de militares para ocuparem cargos estratégicos, sem conhecimento técnico sobre operações de fiscalização ambiental e alcançando resultados desastrosos.

O desmonte e a desqualificação do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) pelo governo também validam o aumento da devastação ambiental. Desde julho de 2019, ao divulgar o aumento de 88% do desmatamento na Amazônia Legal em relação ao mesmo mês de 2018, o INPE tem sido alvo de ataques do governo Bolsonaro. Além do negacionismo em relação ao avanço do desmatamento, tais posicionamentos do governo são ofensivos e lesivos ao conhecimento científico, deslegitimando as pesquisas desenvolvidas no país.

Além disso, o governo Bolsonaro tem desmantelado instituições públicas como a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), paralisando os processos de demarcação. E, junto com a bancada ruralista no Congresso Nacional, tem promovido legislações que favorecem a grilagem e a anistia aos desmatadores.

As ações e omissões não são ocasionais e isoladas, mas convergem em um projeto de Brasil a serviço do agronegócio, em benefício da bancada ruralista no Congresso Nacional, dos latifundiários e dos grileiros, promovendo o desmatamento e o ataque aos direitos territoriais de povos indígenas e comunidades tradicionais.

4) O uso do fogo nos sistemas agrícolas tradicionais é um saber ancestral e muito diferente dos incêndios criminosos do agro

Nos diferentes ecossistemas de florestas, campos, áreas úmidas e savanas, há tradições de manejo por meio do uso do fogo para promover a fertilização da terra para novo plantio (como na roça de toco, coivara ou itinerante), para manejar pasto nativo para criação de gado e/ou para a rebrota de algumas espécies de uso extrativista. Este processo é parte da constituição da agrobiodiversidade ao longo do tempo, ou seja, o cultivo consciente da combinação de uma diversidade de espécies vegetais de interesse humano, seja para alimentação, criação animal, artesanato, arquitetura, medicina ou rituais.

Esse fogo manejado – seja no Cerrado, no Pantanal ou na Amazônia – nos sistemas tradicionais é realizado por meio de regras consuetudinárias que respeitam o tempo e o lugar certo (áreas pequenas e de uso rotativo) e a forma de fazer o fogo, garantindo que ele não se alastre. Os povos e comunidades querem garantir as matas de pé e, por isso, cuidam desse processo e estabelecem protocolos coletivos.

Os incêndios criminosos, ao contrário, têm por objetivo devastar para consolidar a grilagem. São feitos especialmente no tempo seco e a partir de vários focos, muitas vezes usando árvores e galhos em leiras em áreas preparadas para que o fogo se alastre. Os levantamentos sobre os focos de incêndio a partir de propriedades privadas no Pantanal demonstram essa dinâmica criminosa que o governo Bolsonaro quer acobertar, criminalizando os sistemas tradicionais!

5) Quando o Pantanal, o Cerrado e a Amazônia queimam são os modos de vida de seus povos e comunidades que estão queimando

Não podemos nos esquecer que por trás de números, fotos de devastação e imagens de satélite com focos de incêndio, estão conflitos por terra e destruição da biodiversidade e de modos de vida indígenas e tradicionais.

Os povos indígenas e comunidades quilombolas, tradicionais e assentadas de reforma agrária têm seus modos de vida entrelaçados com as matas, das quais dependem para ter água limpa e abundante, para ter ar puro, para se alimentar e gerar renda vendendo seus produtos nas feiras, para ter suas medicinas tradicionais, para manter suas tradições culturais e espirituais.

É por isso que quando o Pantanal, o Cerrado e a Amazônia queimam são esses modos de vida que estão queimando, sua reprodução social fica comprometida, a base material da sua existência é usurpada.

O ar poluído pela fumaça do desmatamento que chega nas grandes cidades e as imagens aterradoras dos bichos morrendo devem nos indignar e mobilizar no sentido de lutar por transformações políticas. Mas quando vemos as imagens de devastação, não podemos jamais nos esquecer dos povos e comunidades que são os herdeiros de saberes tradicionais que guiam o manejo e a conservação das águas e da biodiversidade. Eles são os guardiões e defensores desses bens comuns!

6) Assegurar os Direitos territoriais de povos e comunidades do Pantanal, Cerrado e Amazônia é a melhor forma de conter o desmatamento

Os povos indígenas e comunidades quilombolas, tradicionais e assentadas de reforma agrária defendem as matas e florestas contra as ameaças e a devastação dos desmatadores e grileiros. É por isso que a melhor forma de conter o desmatamento é assegurar seus direitos territoriais, reconhecendo e demarcando suas terras tradicionalmente ocupadas e destinando terras à reforma agrária.