Sem debate amplo, o Acordo comercial UE-Mercosul prevê passar por cima de garantias mínimas de direitos humanos e ambientais, e aprofundar a violência por terra no Brasil
Você sabia que existe um acordo em tramitação internacional que reforça a expansão do agronegócio e beneficia as multinacionais em detrimento da agricultura familiar, do território tradicional, dos direitos ambientais e humanos, e acima de tudo da soberania do Brasil?
Estamos falando do Acordo União Europeia-Mercosul que está sendo realizado sem a participação e o debate com a sociedade civil, sem ouvir os povos e comunidades tradicionais e sem medir o impacto na biodiversidade. Tudo em favorecimento de gerar commodities, isto é, mercado externo, ao fortalecer a legislação e os setores envolvidos com o comércio internacional, como o agronegócio brasileiro, acabam protegendo investidores internacionais, como bancos e multinacionais.
Por outras palavras, é uma espécie de neocolonização escancarada em pleno século XXI. A Europa “rouba” o Mercosul, pegar as riquezas desta terra, como a água e a utilização da terra, para se sustentar e garantir a vida de seu povo, enquanto deixa o “lixo”, a miséria e o preço do progresso para os povos da América do Sul.
Tal Acordo, que seguiu para aprovação, depois de vinte anos, pelo governo Bolsonaro em 2019, não foi ratificado graças aos movimentos e organizações sociais. No entanto, agora, a toque de caixa, e sob a ocasião da Guerra da Ucrânia, é empurrado para ser aceito e finalizado pelo atual governo a fim de fornecer, de imediato, energias renováveis, grãos e matérias primas para a Europa.
“O Acordo UE-Mercosul vai pressionar a demanda pela produção de commodities e aprofundar o atual modelo agroindustrial, baseado no uso de transgênicos e agrotóxicos, nos monocultivos e na concentração fundiária, e voltado para o mercado externo, em detrimento da produção familiar e camponesa e seus sistemas alimentares diversificados” (Maureen Santos, no Dossiê AGRO É FOGO em seu artigo: Acordo UE-Mercosul: combustível da devastação da Amazônia, Cerrado e Pantanal).
Sim ao Cerrado e não ao Acordo UE-Mercosul
Entre outros problemas, esse Acordo não tem compromisso em arcar os problemas ecológicos no Brasil, aumentando o desmatamento, a grilagem de terras, as queimadas, a poluição das águas e os conflitos por terra, e o aumento por demanda de agrotóxicos. Impactos que afetam especialmente o Cerrado, pois não prevê a proteção de áreas não consideradas florestas e esse território já é um dos que mais sofrem violência pelo agronegócio predatório.
De acordo com o Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno (Cedoc-CPT) junto à Articulação Agro é Fogo, o Cerrado e suas Zonas de Transição são as áreas mais afetadas quando o assunto são conflitos no campo envolvendo o fogo, concentrando 53.9% do total e atingindo quase 60 mil famílias em 227 conflitos, entre 2019 e 2021. E do total, os indígenas são os sujeitos mais impactados pelos incêndios criminosos, com 47% das violências sofridas. Situação que pode crescer caso o Acordo Mercosul-União Europeia seja aprovado.
É preciso que o atual governo reabra essas negociações a partir de um debate sério e honesto junto à sociedade civil. Expondo não apenas aquilo que para o comercio é lucrativo, como as consequências imediatas que colocam não só os povos e comunidade em maior risco quanto também a sobrevivência de quem vive na cidade, especialmente, nas periferias.
Fortalecer o debate no contexto europeu
Para ampliar esse debate, a convite da Entraide et Fraternité, a Articulação Agro é Fogo junto à CPT Regional Goiás e Movimento Sem Terra – Goiás, foram à Bélgica conversar com representantes do parlamento europeu, organizações sociais e comunidades. Em uma incidência de quase um mês, a Agro é Fogo relatou os problemas do Acordo comercial na promoção do avanço do agronegócio e crescimento da violência, e a necessidade de juntarmos forças para a reabertura das negociações com participação social tanto no Brasil quanto no contexto europeu.
O Brasil é o 3º país mais perigoso para defensoras e defensores dos direitos humanos e ambientais: foram 342 assassinatos de entre 2012 e 2021, quase 20% de tais mortes no mundo inteiro. Entre 1985 e 2019, período que coincide com o surgimento e consolidação da economia do agronegócio brasileiro, 90% do desmatamento no Brasil foi utilizado para abrir pastagens para gado e áreas para monocultura, principalmente de soja. O consumo europeu é parcialmente responsável pelos conflitos no Brasil (apenas 13% da soja enviada para a Europa não é de desmatamento). Segundo o estudo, a UE exportou 584 milhões de euros de produtos fitofarmacêuticos (agrotóxicos) proibidos na Europa para países do Mercosul em 2018.
Acesse o estudo completo aqui.
“Ao trocar commodities agrícolas e minerais por produtos industrializados e tecnológicos de maior valor agregado, o Acordo estimulará o desemprego, o aprofundamento da desindustrialização, a reprimarização da economia, a evasão de divisas e a sonegação de impostos.” (Por que parar o Acordo Mercosul-União Europeia? – Frente Brasileira Contra os Acordos Mercosul-UE e Mercosul-EFTA)
Sem os direitos da natureza não existe direitos humanos! Essa afirmação é um chamado à existência e a compreensão de que os avanços sobre os recursos naturais também é uma ameaça à sociobiodiversidade, aos modos de vida, aos saberes dos povos e comunidades tradicionais.
Ouça a voz que vem dos povos e comunidades tradicionais!