Povos e Comunidades Tradicionais (PCTs) do Cerrado, em articulação com a rede Agro é Fogo, lançarão no próximo dia 11 de novembro o “Manual de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais das Comunidades do Cerrado”. O lançamento será durante a COP do Povo, agenda paralela à 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30), em Belém (PA).
A publicação é construída a partir de experiências e saberes ancestrais dessas populações, que estão na linha de frente da conservação. O manual sistematiza estratégias de manejo integrado do fogo, prevenção, combate às chamas e restauração de áreas afetadas, representando um contraponto direto ao avanço dos incêndios criminosos.
A urgência da iniciativa é corroborada por dados do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Lasa/UFRJ). Além dos dados de conflitos registrados pelo Centro de Documentação Dom Tomás Balduino da Comissão Pastoral da Terra (Cedoc/CPT).
Atualizados até 05 de outubro, os números revelam que o Cerrado concentra cerca de nove em cada dez hectares queimados dentro de Terras Indígenas no país em 2025.
Essa terra-território (termo que propõe a substituição do termo “bioma” para dar conta da multiplicidade da vida humana e comunitária que compõe a sociobiodiversidade dessas regiões) se mantém como epicentro do fogo em territórios originários há oito anos, com uma média de quase 70% das áreas queimadas anualmente.
Cerrado em chamas, ameaça hídrica. Amazônia também sofre com o fogo
Conforme o Lasa, os dez territórios indígenas com mais incêndios no país estão no Cerrado, com número elevado de focos nos estados do Tocantins, Mato Grosso e Maranhão – sendo que somente o último acumula cerca de 300 mil hectares de territórios indígenas atingidos pelo fogo.
Estado amazônico que sediará a COP-30, o Pará ocupa historicamente posição de destaque entre as unidades federativas com maior número de áreas queimadas. Até o início da segunda semana de outubro, mais de 396 mil hectares haviam sido tomados pelo fogo apenas em áreas paraenses.
Conforme dados do Dossiê Agro é Fogo, a Amazônia tem sido uma zona de interesse para a intensa ofensiva do agronegócio, que após a expansão da soja no Centro-Oeste impulsionou o avanço de áreas de pastagens sobre as florestas.
De 1985 a 2019, essas terras-territórios sofreram uma intensa mudança no uso e cobertura do solo, resultando na perda de áreas de florestas e no crescimento das áreas voltadas para a produção agropecuária.
Segundo os especialistas, as relações diretas entre desmatamento e avanço das atividades do agronegócio coincidem na Amazônia e no Cerrado.
Outra familiaridade também mora nos registros de conflitos envolvendo o uso do fogo em ambas as regiões: pessoas indígenas foram as mais afetadas pelos incêndios criminosos no ano passado, conforme dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT).
A secretária-executiva da Agro é Fogo, Jaqueline Vaz, alerta para o risco que as queimadas representam para todo o país. “O Cerrado é o berço das águas, desaguando em oito das 12 bacias hidrográficas do país. Precisamos entender urgentemente que continuar queimando criminalmente esse território é um risco ao ciclo hidrológico, ao nosso futuro, à nossa vida”, enfatiza.
Atualmente, a área de Cerrado atingida pelo fogo supera os 7 milhões de hectares. A preocupação se estende para além dos territórios circunscritos aos limites administrativos da região.
Segundo a doutoranda em Geografia na Universidade Federal de Goiás (PPGEO/UFG), Valéria Santos, nos últimos anos, pesquisadores apontam que o excesso e a repetição dos incêndios têm provocado perdas de espécies nativas do Cerrado, devastação dos territórios e perdas econômicas e estruturais.
˜Ao perderem casas e roças para o fogo, as comunidades ficam em situação de extrema vulnerabilidade social e econômica˜, explica.
Experiências Ancestrais na Prática
A destruição é sentida na pele por comunidades como a do Dominial Indígena Rodeador, no Maranhão, que teve 83,73% de sua área consumida pelo fogo em 2025, o maior percentual do país. Na linha de frente do combate, mulheres indígenas têm papel crucial. Fabiana Martins, 22 anos, chefe da Brigada Voluntária Feminina do Povo Gavião, atua na prevenção e no combate no Território Indígena Governador.
“Nós, mulheres do povo Gavião, estamos enfrentando esse desafio, mesmo não recebendo nada do Estado, para poder cuidar da nossa natureza, da nossa casa, do nosso território”, relata Fabiana. Práticas como o Manejo Integrado do Fogo e a queima prescrita, rotinas ancestrais de comunidades Gavião, Apinajé e Xerente, são alguns dos pilares do manual.
“Dentro dele estão as nossas demandas enquanto brigadistas voluntárias”, explica Fabiana sobre a publicação, que também reúne conhecimentos de quilombolas e camponeses.
Lançamento e Distribuição
O manual foi organizado a partir de um intercâmbio entre brigadas do Tocantins e Maranhão, realizado em 2024 no Território Xerente (TO). Cem exemplares físicos serão disponibilizados no lançamento, e uma versão digital estará disponível no site da Agro é Fogo a partir do dia 11 de novembro. O material será distribuído em comunidades da Amazônia, Pantanal e Cerrado.
Com ilustrações e passos importantes para garantir a prevenção, denúncia e combate aos incêndios, a publicação também oferece informações sobre como restaurar locais afetados pelo fogo. “As comunidades trouxeram tanto as experiências treinadas com brigadas, como também às experiências pessoais que há muito tempo fazem parte da sua vivência”, explica Jaqueline Vaz.
“São essas soluções que os povos fazem que ajudam a restaurar essas áreas em que o fogo passa e destrói tudo. E isso tem servido de exemplo para outras comunidades. É nisso que acreditamos”, finaliza.
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Serviço:
Lançamento do Manual de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais das Comunidades do Cerrado na COP30
Data e horário: 11 de novembro (terça-feira), a partir das 8h30
Local: Terraço (Térreo) da Casa do Povo (Travessa Piedade, nº 426, Bairro Reduto, Belém-PA)
Atendimento à imprensa: João Palhares/Comunicação Agro é Fogo
agroefogo@gmail.com | 11 99016 7755
Sobre a Articulação Agro é Fogo
Coalizão formada por mais de 40 organizações em defesa dos povos e territórios da Amazônia, Cerrado e Pantanal. Saiba mais: agroefogo.org.br/



