América do Sul: a destruição “verde” da floresta amazônica
Secretariado Internacional Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais (WRM)
Há décadas que o continente latinoamericano, inclusive o Caribe, tem a taxa de desmatamento tropical mais alta do mundo, comparada com África e Ásia. Entre 2001 e 2013, em média cerca de 4,2 milhões de hectares foram destruídos anualmente no continente, comparado com 2,3 e 1,8 milhões de hectares por ano na Ásia e África, respectivamente. No período de 2014-2018, essa taxa média no continente latinoamericano atingiu 5,5 milhões de hectares anuais.
Grande parte dessa destruição na América Latina está concentrada na região amazônica. Em 2021, entre os 10 países com maior perda de florestas tropicais primárias do mundo, Brasil, Bolívia, Peru e Colômbia ocupam respectivamente o primeiro, terceiro, quinto e sexto lugar. Só nestes quatro países, 2,12 milhões de hectares de floresta foram devastados naquele ano.
Para entender o processo de desmatamento, é preciso entender não só suas causas mais visíveis como a extração de madeira e o avanço do agronegócio e da mineração, mas, sobretudo, as causas subjacentes. Estas tendem a ser ocultadas, menos discutidas e mal compreendidas, e estão intimamente ligadas às diversas formas de opressão do sistema capitalista-racista-patriarcal, bem como ao legado colonial. Além disso, mais recentemente, é preciso entender como projetos apontados como “soluções” para a crise climática têm se tornado novas causas subjacentes de desmatamento.
A primeira e última análise abrangente dessas causas em nível global foi realizada em 1999[1], coordenada pela Organização das Nações Unidas (ONU) com participação expressiva da sociedade civil dos principais países com florestas.
O que mais chama a atenção ao reler as causas apontadas em 1999 é que a grande maioria delas continua extremamente atual[2]:
- os grandes projetos de “desenvolvimento” ou infraestrutura, como barragens, estradas, esquemas de mineração e extração de petróleo se perpetuam numa aliança entre Estado e o grande capital;
- o agronegócio, provavelmente mais destrutivo que em 1999, continua avançando, e faz parte de um processo mais amplo de extração de madeira, incêndios florestais, especulação e grilagem de terras;
- os padrões de investimento, dívida, políticas macroeconômicas, fluxos globais de commodities e relações comerciais continuam sendo fundamentais nos processos de desmatamento em todo o mundo;
- a legislação permite, por exemplo, que terras do Estado sejam concedidas a grandes empresas dos setores de madeira, mineração ou plantação de árvores;
- os diversos projetos de “conservação da natureza” seguem assediando e espoliando os povos da floresta para estabelecer áreas protegidas oficiais;
- métodos militarizados de centralização do controle sobre as florestas ainda estão sendo empregados por Estados, grandes empresas, ONGs ou os três ao mesmo tempo;
- o não-reconhecimento dos direitos territoriais dos povos indígenas e comunidades tradicionais persiste, e a discriminação também. Nos últimos anos houve uma crescente criminalização das comunidades e povos enquanto atividades destrutivas são ´descriminalizadas´, às vezes explicitamente incentivadas;
- o enfraquecimento das condições de sobrevivência e das lutas dos defensores das florestas continua prejudicando a proteção dessas florestas.
Notas
O relatório final de 1999 foi intitulado “Abordar as causas subjacentes do desmatamento e da degradação florestal: estudos de caso, análises e recomendações de políticas”.
As velhas-atuais causas do desmatamento
O desmatamento na América Latina e Caribe é maior não só porque a floresta amazônica é a maior floresta tropical do mundo, mas também por causa da escala e da rapidez do avanço crescente do agronegócio, da mineração, da extração de combustíveis fósseis e de obras de infraestrutura.
Na Venezuela, por exemplo, impulsionado pela crise econômica, instalou-se um extrativismo predatório, baseado nem tanto mais em petróleo, mas em outras formas de mineração. O principal projeto se chama Arco Mineiro de Orinoco, que cobre 12% do território nacional, parcialmente na região da Amazônia venezuelana, com capital privado e internacional. Em 2016, o governo criou na área uma Zona Econômica Especial – uma área geográfica com leis especiais que flexibilizam radicalmente as normas ambientais e direitos sociais, dentre outros problemas. Ao mesmo tempo, o governo fez acordos com as empresas envolvidas cujos detalhes não foram divulgados publicamente. Além disso, o exército obteve poderes especiais para garantir a continuidade da mineração e reprimir a resistência[3].
Outro exemplo são as obras de infraestrutura, realizadas sob o discurso de promover o “desenvolvimento” e “integração” da América do Sul. No entanto, essas rodovias, ferrovias e hidrovias, além de portos, aeroportos e hidrelétricas, servem sobretudo para escoar a quantidade crescente de matérias primas e produtos que resultam das atividades extrativas. Elas não atendem às demandas das populações da região, deixando apenas os impactos, muitas vezes devastadores.
O principal plano para América do Sul é a Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana, IIRSA. O Plano IIRSA foi lançado no ano 2000 por 12 governos da América do Sul, prevendo mais de 500 projetos. Gradativamente, os investimentos na infraestrutura foram transformados na mais nova forma de expansão do capital financeiro com potencial de gerar grandes lucros, sobretudo através de parcerias público-privadas, vantajosas para o setor privado, enquanto os governos nacionais assumem os riscos[4]. Hoje em dia, ouve-se falar em obras de infraestrutura extrema’. São mega corredores que ligam os lugares onde a extração for mais barata aos centros de fabricação e consumo numa escala e rapidez cada vez maior[5].
Um exemplo é a construção do trecho entre o município de Cruzeiro do Sul, no Brasil, e Pucallpa, no Peru, da rodovia interoceânica, que ligaria o noroeste do Brasil ao sudoeste do Peru, e cuja construção iniciou-se há mais de 20 anos. Em carta aberta, povos indígenas dos dois países se opõem ao projeto, denunciando que “a construção da estrada se encontra dentro de um conjunto de modelo desenvolvimentista predatório incluindo exploração de minério, madeira, petróleo e gás. Situada na região, com a maior bacia do mundo de água doce de superfície, há terras indígenas ainda não demarcadas e a presença de povos em isolamento voluntário que seguem sendo ignorados e negados”[6].
Aos impactos já nefastos das rodovias somam-se os impactos dos projetos de ferrovias na Amazônia brasileira. A chamada “Ferrogrão”, por exemplo, que ligará o norte do Mato Grosso com o porto de Miritituba, no rio Tapajós, no Pará, passará por Unidades de Conservação e Terras Indígenas, e tende a agravar ainda mais os impactos da rodovia BR-163, que adentra a Amazônia a partir da região centro-oeste, maior produtora de grãos do país[7]. Historicamente, projetos como esses foram e são os principais fios condutores do aumento do desmatamento, gerando impactos devastadores para as populações das florestas.
Notas
Documento Final do Seminário Binacional Brasil/Peru
Amazônia: Sociobiodiversidade, resistência ao modelo desenvolvimentista predatório, 2022.
A destruição “esverdeada”: novas causas subjacentes de desmatamento
As causas subjacentes de desmatamento apontadas em 1999 continuarem atuais não quer dizer que nada mudou. A maioria das “soluções” apresentadas supostamente para combater o desmatamento desde então pelos governos, bancos, grandes ONGs preservacionistas[8], dentre outros, se tornaram novas causas subjacentes.
A principal delas é o mecanismo REDD, sigla em inglês para Redução de Emissões do Desmatamento e Degradação Florestal. O REDD surge em 2005 no âmbito das conferências da ONU sobre o Clima com a promessa de reduzir e combater de forma rápida, simples e barata o desmatamento e, com isso, reduzir as emissões de carbono na atmosfera e o impacto das mudanças climáticas. A alegação é de que seria mais vantajoso “manter a floresta em pé” do que derrubá-la.
Nas florestas tropicais, para aprovar um projeto REDD, uma empresa ou ONG escolhe uma área de floresta supostamente ameaçada, e faz uma projeção de quanto dessa área seria desmatada num período entre 30 e 50 anos. A partir daí, é feito um cálculo hipotético de quantos hectares seriam conservados caso o projeto REDD fosse ali implementado e, com base nisso, a quantidade de carbono cuja emissão seria evitada. Esses cálculos baseiam a emissão de créditos de carbono, certificados por empresas de consultoria, a serem comercializados.
Quem compra esses créditos são, por exemplo, empresas dos setores de extração de petróleo, aviação, commodities alimentícias globais ou mineração, maior parte delas no Norte do globo. Elas “compensam” a poluição que geram, dizendo que estão conservando florestas longe dali. Com isso, elas ‘compram’ o direito de poluir a atmosfera com uma quantidade de carbono supostamente equivalente à quantidade ‘guardada’ na área de floresta cuja destruição teria sido ´evitada´. A ´compensação´, portanto, é a palavra chave do mecanismo REDD[9].
Além disso, os projetos de REDD têm se instalado em territórios de comunidades que dependem das florestas, ainda que não estejam demarcados oficialmente. Responsabilizadas pelo desmatamento, elas são impedidas de usar esses espaços e de realizar atividades fundamentais para seu sustento. Assim, o REDD reforça o pressuposto equivocado de que não existe possibilidade de convívio entre as populações e as florestas – como se o modo de vida dessas comunidades fosse em alguma medida comparável ao grau de destruição causado pelo agronegócio, este sim, antagônico à conservação da floresta. Assim, o REDD causa problemas para as comunidades nas duas pontas: nas florestas onde os projetos se instalam[10], mas também nas comunidades que vivem nos entornos das empresas do norte global que, com o REDD, podem continuar poluindo mais.
Em mais de 15 anos do mecanismo REDD o desmatamento não foi reduzido, pelo contrário. Os mais de 300 projetos[11] em todo o mundo nunca priorizaram os lugares de maior desmatamento. As atividades de agronegócio, mineração, plantações de monoculturas, dentre outros, sempre foram mais lucrativas do que manter a “floresta em pé” e isso deixa evidente os interesses por trás de projetos como REDD: a continuidade do direito de poluir. Assim, contribuem para o agravamento da crise climática, em vez de mitigá-la.
Notas
Quando falamos em ´preservação´ ou entidades ´preservacionistas´, nos referimos à ideia destas entidades de que para garantir a sobrevivência das florestas, é preciso criar ‘áreas protegidas’ ou ´parques nacionais´, de preferência sem a presença de comunidades humanas a partir da visão que o ser humano é destruidor da natureza. Em contraposição, o ´conservacionismo´ entende que para proteger as florestas a presença e participação das comunidades que dependem das florestas é fundamental. De acordo com muitos estudos no mundo, onde há floresta, é graças a presença de comunidades humanas que têm cuidado da floresta que consideram sua ´casa´, uma vez que sem floresta não conseguem concretizar seu modo de vida.
Para entender porque o REDD não faz nada para reduzir o impacto das mudanças climáticas, veja aqui.
Em vias de ser publicado, um estudo recente do Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais (WRM, na sigla em inglês) no município de Portel, no Pará, Brasil, mostra que a localização de quatro projetos REDD, ocupando uma área igual a 20% do território da Suíça, não coincide com as áreas que mais correm riscos de serem destruídas no município – que são as áreas mais próximas da rodovia transamazônica, onde houve a maior concentração de incêndios florestais[12].
Os projetos REDD de Portel, ao contrário, são localizados nos territórios de populações ribeirinhas. Ali, os proponentes dos projetos têm ajudado os moradores a fazerem o Cadastro Ambiental Rural (CAR), em áreas de cerca de 100 hectares, alegando de má fé que o cadastro seria um título de propriedade. Sem saber, ao aceitar o CAR, as famílias ribeirinhas estariam concordando com a condição implícita de que precisam manter suas atividades de sobrevivência restritas à área do cadastro, sem permissão para adentrar o restante da área dos projetos REDD, comprometendo assim o acesso a um território maior onde mantêm suas práticas tradicionais – que incluem queimar pequenas áreas para fazer roça, plantar árvores frutíferas, coletar alimentos e outros frutos da floresta.
Uma das empresas que comprou ‘direito de poluir’ do projeto de Portel é a companhia aérea francesa Air France. A empresa afirma que todos seus voos domésticos agora estariam ´neutros em carbono´, sendo ´compensados´ com os créditos comprados do projeto em Portel e de outros projetos na Amazônia[13]. A aviação mundial representa 3,5 % do impacto causado pelas atividades humanas sobre o aquecimento global[14]. Além da Air France, os projetos de Portel já venderam ‘créditos de poluição’ para mais de 400 outras empresas, entre as quais as corporações Samsung, Repsol, Amazon, Toshiba, Delta Airlines, Boeing, Kingston e até o clube de futebol Liverpool.
Neste momento, há 99 projetos REDD certificados ou em fase de certificação[15] nos quatro países com mais desmatamento da região Amazônica (Brasil, Bolívia, Peru e Colômbia). Além disso, há um número desconhecido de outras iniciativas REDD não certificadas.
Existem também diversos programas, propostos por governos nacionais na região amazônica. Na Colômbia, por exemplo, um decreto de 2017 permite que empresas alcancem a ´neutralidade em carbono´, comprando ´compensações´, inclusive através de projetos REDD. Elas evitam, com isso, o pagamento de impostos por poluir o ar, baseados no ´carbono´ emitido por empresas, por conta de uma lei anterior de 2016 que buscava incentivá-las a reduzir sua poluição . Em 2021, existiam registros de 75 projetos REDD desse tipo no país[16].
Há também programas REDD de governos estaduais, como os do Acre e Mato Grosso, no Brasil, financiados pelos governos da Alemanha, da Noruega e do Reino Unido. O pagamento, neste caso, não vem de venda de créditos no mercado de carbono, mas é baseado em supostos ´resultados´: os governos estaduais estão sendo ´premiados´ com pagamento porque tiveram uma redução na taxa de desmatamento num determinado período no passado acordado entre as partes.
Ambas as partes também acordam uma taxa de desmatamento que acham aceitável no presente e os pagamentos nos anos seguintes ocorrem se o desmatamento não ultrapassar essa taxa. Isso pode levar à situação contraditória em que esses governos recebem pagamentos mesmo que o desmatamento esteja aumentando, como tem ocorrido em Mato Grosso. Além disso, mesmo que o financiamento desse tipo de programa REDD não venha do mercado de carbono, um dos seus principais objetivos é preparar esses estados para que possam entrar o mais rápido possível nesse mercado.
Vale lembrar que a maior redução recente no desmatamento no Brasil foi alcançada no período (2004 a 2009) em que praticamente ainda não existia nenhum projeto REDD no Brasil, e essa redução ocorreu muito em função de políticas públicas efetivas.
O novo REDD: Soluções Baseadas na Natureza (SBN)
O fracasso do REDD sugere que a ideia deveria ser abandonada, mas não é isso que acontece. Para alguns, o REDD não foi um fracasso: as grandes ONGs preservacionistas, as empresas dos mercados de carbono, os consultores que elaboram e validam os projetos, os governos nacionais e estaduais, os certificadores, dentre outros, em conjunto embolsaram bilhões de dólares nos últimos 15 anos por meio do REDD. O REDD não foi um fracasso tampouco para as grandes empresas, como as de petróleo, que puderam expandir suas atividades poluidoras dizendo que ‘compensaram’ suas emissões.
Só que resolveram mudar de nome. O REDD agora é cada vez mais chamado de Soluções Baseadas na Natureza (SBN)[17]. As SBN foram lançadas anos atrás pela IUCN[18], e relançadas em 2019 na conferência do clima da ONU a partir de um estudo da ONG TNC (The Nature Conservancy). Este estudo está baseado em hipóteses altamente duvidosas: de que seria possível com SBN alcançar, até 2030, cerca de 1/3 das reduções de emissões necessárias para controlar minimamente o caos climático. Quer dizer que a tendência é que muito mais projetos de compensação do tipo REDD serão propostos utilizando este novo nome. As SBN se tornam ainda mais perigosas para comunidades que dependem da floresta porque se articulam com outra proposta, o plano chamado “30×30”, que pretende conservar 30% das áreas naturais do mundo até 2030.
A frase mágica do momento para todos os setores da indústria mundial é de alcançar um patamar de emissões ´neutro em carbono´. Em vez de reduzir drasticamente sua poluição e emissões, o que comprometeria os lucros, preferem ´compensar´ sua poluição com SBN, em especial, “protegendo as florestas”, o que nada ajuda para salvar o clima como já comentamos antes.
Por conta disso, no momento, está ocorrendo uma verdadeira corrida por terras com florestas na Amazônia por parte de empresas e ONGs. Muitas comunidades estão sendo assediadas para assinar contratos com empresas de “carbono” para que possam vender créditos de poluição para indústrias internacionais, e cada vez mais também para empresas nacionais[19]. Por ser uma nova tendência, ainda não é possível encontrar facilmente projetos SBN na Amazônia. Mas os projetos prometem seguir a lógica do mecanismo REDD e ser ainda maiores[20].
Já que as SBN também podem abranger a agricultura, o agronegócio brasileiro é um dos setores que mais tem se destacado mundialmente, por exemplo, expandindo o plantio de árvores com a monocultura de eucalipto e a chamada ´agricultura de baixo carbono´[21]. Trata-se de um conjunto de planos que incluem acrescentar aditivos às rações animais e introduzir práticas agrossilvícolas e de manejo do solo. Tudo isso não passa de uma aberração se considerarmos seus planos de megaexpansão, com todos os incêndios e desmatamento necessários para sua implantação. Sem falar do consumo de derivados de petróleo em toda sua cadeia, incluindo adubos químicos e agrotóxicos, o que ajuda a explicar porque a cadeia de produção alimentar baseado no agronegócio já é responsável por até 37% de todos as emissões globais de efeito estufa[22].
Economia de ‘baixo carbono’ ou economia ‘verde’
Mas os atores do grande capital financeiro-industrial não só pensam em se pintar de ‘verde’ com projetos de carbono ‘neutro’. Eles reivindicam que colocaram em curso um projeto de transição da base energética da sociedade. Longe de ser uma transformação rumo a uma economia mais justa climaticamente e socialmente, eles pretendem – com o que chamam de economia de ‘baixo carbono’ ou ‘verde’ – manter e fortalecer sua hegemonia e poder. Enquanto mecanismos como REDD e SBN garantem que eles possam lucrar com uma economia dependente dos combustíveis fósseis por mais tempo, eles também sabem que inevitavelmente precisam diversificar suas fontes de energia, já que o petróleo por si só não será suficiente. Além disso, há enormes pressões por parte da sociedade civil, investidores e consumidores por um mundo mais ‘verde’.
É um erro pensar que essa nova matriz energética, baseada na energia eólica, mega hidrelétricas, biomassa, solar, dentre outros, reduzirá o desmatamento e/ou as atividades extrativas. Ao contrário, esses projetos também irão demandar grandes quantidades de terra. O símbolo da ´economia de baixo carbono´ chama-se o carro elétrico, e necessita além dos metais e minerais de sempre – como o ferro e alumínio – uma série de novos minerais e metais cuja extração implicará em ainda mais destruição e desmatamento.
O Equador é um exemplo de como a nova ‘economia de baixo carbono’ já impacta a floresta e suas populações. Nos últimos anos, tem acontecido uma verdadeira corrida na floresta para extrair árvores de balsa, uma madeira ideal na indústria crescente de turbinas eólicas na China. O Equador já se tornou o maior exportador mundial dessa madeira. Ironicamente, enquanto a China anuncia metas de ´neutralidade em carbono´ baseadas em mais parques eólicos, a destruição florestal em busca das árvores de balsa no Equador, e também na Colômbia e Peru, só aumenta, além de outros impactos: os problemas causados pelas serrarias móveis nas comunidades, como poluição dos rios; o desequilíbrio na floresta com a extração desenfreada; os impactos sociais como exploração de trabalho, conflitos e divisões nas comunidades[23].
Considerações finais
Algumas das “soluções” para combater o desmatamento e a crise climática, impostas de cima para baixo, são apresentadas com promessas e como benefícios sedutores a curto e longo prazo, e muitas vezes transmitidas por ONGs que se dizem amigas da floresta e das comunidades. Mas o discurso da economia de ´baixo carbono´ é extremamente conveniente para as empresas que realmente destroem as florestas em larga escala.
São propostas e mecanismos perversos porque seu objetivo central é dar sobrevida às indústrias poluidoras – e seus lucros –, ao mesmo tempo em que desequilibram o clima global num curto espaço de tempo. As SBN, ainda mais do que o REDD, levarão a uma corrida por terras – das comunidades – aumentando a pressão sobre seus territórios pelas atividades destrutivas de sempre, e as novas investidas ´verdes´.
Trata-se de um cenário que aponta para a importância de fortalecer a resistência nos territórios atingidos pelos projetos impostos, sejam eles projetos destruidores e/ou ´verdes´, bem como a articulação, união e solidariedade mútua entre as comunidades impactadas. Até porque os projetos destrutivos da floresta e os projetos ´verdes´ dependem um do outro para se viabilizar: são ambos parte de uma mesma lógica nefasta que precisa ser exposta e combatida.
Notas
União Internacional pela Conservação da Natureza, composto por governos, ONGs e outros atores
Com o Acordo do Clima de Paris (2016), agora não só os países tradicionalmente responsáveis pelas grandes emissões de carbono – Europa, América do Norte, Japão, Austrália – têm que estabelecer suas metas de redução de emissões de carbono, agora todos os países que assinaram o Acordo, inclusive os sul-americanos, teriam essa obrigação.
A empresa Biofílica no Brasil, por exemplo, por trás de vários projetos REDD na Amazônia brasileira, como o projeto REDD proposto na RESEX Tapajós-Arapiuns em 2015, rejeitado pelos moradores da Reserva, foi comprado pelo Grupo AmbiPar em 2021. A AmbiPar anunciou que “o plano de expansão para os próximos meses prevê investimento massivo no desenvolvimento de projetos e programas de carbono Nature Based Solutions (NBS).”
Secretariado Internacional do Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais (World Rainforest Movement)