Os primeiros registros escritos sobre os Guató datam de relatos de viajantes no século XVI. Os Guató são um dos povos mais antigos do Pantanal, tendo ocupado praticamente toda a região Sudoeste do estado do Mato Grosso, inclusive terras hoje pertencentes ao Mato Grosso do Sul e à Bolívia.
Os indígenas Guató costumam morar em aterros construídos (terrenos elevados artificialmente para não serem inundados durante as enchentes) -, os mais antigos dos quais erguidos há 8.000 anos. A invasão bandeirante do século XVIII e o alastramento da varíola a partir do contato com os soldados na Guerra do Paraguai, no século XIX, atingiu duramente essa população, mas foi no século XIX e, mais intensamente no século XX, com a entrada do gado no Pantanal, que a perda do território se acelerou pela invasão dos fazendeiros. Além de tomar suas terras, os fazendeiros também utilizaram aterros indígenas para construir as sedes de fazendas e currais de gados. Alguns indígenas migraram para as cidades e outros passaram a trabalhar para as fazendas que se instalavam ali, em condições descritas como de escravidão por Seu Domingos, o mais velho dos Guató. Em razão desse processo, o povo Guató chegou a ser considerado extinto ao final dos anos 1950, até que, em 1976, missionários identificaram Guató vivendo na periferia de Corumbá e, posteriormente, em outras cidades dos dois estados. Iniciou-se então um processo de reorganização para lutar por seu reconhecimento e direitos territoriais. São hoje considerados os últimos canoeiros de todos os povos indígenas que viveram nas terras baixas do Pantanal.[3]
Lutando por sua r-existência, os Guató se veem, mais uma vez, atacados pela expansão da fronteira agropecuária sobre seu território ancestral no Pantanal. Seu Domingos está desolado pela tragédia nunca antes vista nessas proporções.
Notas
Instituto Socioambiental (ISA). Terra Indígena Baía dos Guató. In: Terras Indígenas no Brasil.
Notas
ICV. Avanço do fogo no Pantanal ameaça indígenas em Mato Grosso, 14/09/2020.
Radio Agência Nacional. Decreto homologa demarcação da terra indígena Baía dos Guató em MT, 27/04/2018. Parte da área é contestada na Justiça por uma fazenda da região, que mantém gado na parte em litígio.
André Borges. Única demarcação de terra indígena feita por Temer é suspensa pela Justiça. O Estado de S.Paulo, 20/12/2018.
Gil Alessi. Guató, último povo a ter terra demarcada pode ser primeiro a perdê-la sob Bolsonaro. El País, 14/01/2019.
Incêndios na Terra Indígena Baia dos Guato. Crédito Povo Guató.
No aterro de Sandra, toda a vegetação em volta da sua casa de chão batido e o telhado de palha foram destruídos pelo fogo. Um dos netos de 3 anos a auxiliou a jogar água para a casa não queimar. As plantações de banana, mandioca, cana, abacaxi e outros produtos que os indígenas cultivam quando as águas baixam nos aterros feitos por seus antepassados há milhares de anos acabaram consumidas pelo fogo no pior incêndio já registrado no Pantanal. Os animais estavam passando fome no meio da destruição e uma onça atacou o indígena Nardo Guató. Alessandra Guató, a filha de Sandra que é mestranda em Antropologia na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), compreendeu: “Nesta época, ela com filhote… e com a queimada, estão com muita fome!”.
Os Guató protegeram o território dos incêndios criminosos com os próprios corpos. Eles sabem que o destino das árvores, dos bichos e das águas na TI Baía dos Guató está intrinsecamente relacionada a sua continuidade como povo. Diante dos interesses dos grileiros, que têm usado os incêndios criminosos como arma para ameaçá-los, a regularização do território Guató é mais urgente do que nunca.
Aloir Pacini é docente do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS) da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT)