Fonte: Antônio Veríssimo da Conceição Liderança indígena Apinajé, ativista ambiental e comunicador social | Foto: www.cachoeirinha.to.gov.br/
A cada ano os focos de incêndios nos campos do Cerrado parecem mais violentos e descontrolados, diante dessa ameaça e emergência ambiental estamos nos articulando, organizando e usando nossos próprios conhecimentos para fazer a prevenção na época certa e forma correta para evitar o alastramento de incêndios florestais. Mesmo se prevenindo a sociedade deve se preparar também para lidar com os riscos e eventualidades de (possíveis) incêndios fora de controle.
A queima tradicional é um conhecimento e experiência desenvolvida a partir da coexistência e relacionamento direto dos povos indígenas, quilombolas e populações tradicionais com o Cerrado no decorrer dos séculos. A queima tradicional é a forma de utilizar o próprio fogo para prevenir os grandes incêndios. A técnica consiste em queimar parte das folhas, gramíneas, galhos, cipós e troncos secos no período antes da estiagem e período seco e extremamente crítico. Essa queima acontece nos meses de maio e junho. O fogo é leve e de baixíssima intensidade não causando nenhum impacto relevante ou prejuízo no ambiente.
A queima tradicional não representa nenhuma ameaça às florestas, nascentes ou matas ciliares, pois nesse período esses logradouros ainda encontram-se encharcados e úmidos. Nestas circunstancias o fogo avança até certos limites e logo se apaga por conta própria, pois não encontra condições para avançar floresta a dentro. E nos campos abertos os pequizeiros, cajueiros, bacurizeiros e outras plantas frutíferas do Cerrado não sofrem nenhum dano nas floradas que inicia se nesse mesmo período.
Ainda persiste muita desinformação e falta de compreensão sobre o que significa e porque é realizada a queima tradicional pelos povos do Cerrado. Os próprios órgãos de monitoramento do governo confundem os focos de incêndios que ocorrem em maio e junho, como se fosse “fogo ruim”.
Por outro lado, essa prática tradicional ou queima preventiva dos povos nativos do Cerrado foi adotada pelos Brigadistas Indígenas do IBAMA/Prev-Fogo.
Atualmente o ‘Manejo Integrado do Fogo-MIF’ vem sendo aplicado com sucesso em todas as terras indígenas do Estado de Tocantins. É importante ressaltar que os incêndios descontrolados podem destruir matas ciliares, nascentes, plantações, pastagens, linhas de transmissão de energia, obstruir transito de veículos nas rodovias e até impedir o tráfego aéreo. Essa ameaça é real.
É fato que entre julho a setembro nos campos do Estado de Tocantins é período de tempo seco, ventos fortes e existe (sempre) muito material seco acumulado no interior das matas ciliares, nesse clima qualquer foco de incêndio que sair do controle poderá resultar em prejuízos incalculáveis e danos irreversíveis para o meio ambiente.
Os incêndios fora de controle também implicam em muitos riscos e perigos para populações rurais; especialmente indígenas, camponeses, quilombolas e ribeirinhos. Experiências de anos anteriores, mostram que os incêndios de grandes proporções e fora de controle tem potencial para causar enormes danos materiais, transtornos e prejuízos para as populações que vivem em aldeias, quilombos, vilas, povoados e cidades do Norte de Tocantins.
É de conhecimento público que a população das cidades e regiões aonde ocorrem incêndios sofrem as consequências da fumaça e fuligem liberada pelas queimadas, o que resulta em transtornos e sérios problemas de saúde; especialmente doenças respiratórias, dores de cabeça, febre, diarreia e gripes, as pessoas idosas e as crianças recém-nascidas são as maiores vítimas.
Observamos que no período das queimadas os hospitais regionais, UPAs e Postos de Saúde nas aldeias e cidades do entorno ficam sobrecarregados e lotados de pacientes com doenças respiratórias e outros problemas relacionados.
As queimadas as vezes podem ser de origem natural, mas a maioria dos focos de incêndios surgem pela ação humana, que podem ser pela queima de roçados ou pastagens sem os devidos cuidados. Ainda por atividades de caçadores, cigarros jogados por descuido nas margens das rodovias e até a queima intencional ou criminosa de algum malfeitor.
Seja lá como for; acidental, intencional ou natural, em caso de incêndio nas florestas, qualquer pessoa deve imediatamente comunicar as autoridades e órgãos responsáveis e competentes. Se for comprovado que o incêndio foi provocado de forma intencional ou premeditada o acusado deverá ser responsabilizado criminalmente pelo seu ato.
A situação nas áreas de pastagens formadas a partir de desmatamentos da floresta na Amazônia é diferente e deve ser tratada com mais cuidado pelas empresas, fazendeiros e proprietários rurais.
Ainda existe em nossa região a prática de queimar o capim para renovação da pastagem, ou queima de roçados muitas vezes realizado sem nenhum cuidado e de forma absolutamente irresponsável. Mas, o desmatamento para atividade de silvicultura (plantação de eucaliptos) e abertura de estradas também são outros fatores que tem contribuído para o aumento dos focos de incêndios no Norte de Tocantins.
Nos últimos anos o meio ambiente em geral vem sofrendo grandes danos e perdas causado pela tragédia das queimadas; na maioria dos casos resultado da ação direta dos humanos.
Dessa forma observamos a acelerada extinção ou diminuição de algumas espécies de nossa fauna e também o desaparecimento das espécies de arvores de nossas florestas que sofrem com as queimadas todos os anos.
Lembrando que existem profundo vínculo e interdependência entre as plantas e os animais, pois a queima das florestas provoca a diminuição dos frutos consequentemente resultando em falta de alimentos para os animais.
Especialmente nas áreas rurais muitos povos, comunidades e indivíduos – direta ou indiretamente também dependem das florestas e dos animais para garantir sua subsistência.
As florestais, campos, vales, rios e lagos da Terra é nossa ‘Casa Comum’ e também morada das espécies de nossa biodiversidade, aonde vivem de forma harmoniosa e reciproca grandes diversidades de plantas e animais vertebrados, invertebrados, peixes e aves.
Os homens não estão respeitando essas leis e regras da natureza, aliás, são os humanos os principais implicados e acusados por essa tragédia repetida todos os anos; seja pela omissão ou conivência governamental, seja pela participação direta dos cidadãos nos casos de incêndios no Cerrado, Pantanal e Amazônia Legal. Apesar disso, acredito na consciência e capacidade humana de promover adaptações e fazer mudanças pelo bem da vida no Planeta.
“No passado o mundo foi destruído pelas águas e em breve será novamente destruído, desta vez pelo fogo”. Na minha infância ouvir muitas vezes os mais idosos fazendo esses comentários, e naquela época eu ficava muito intricado e curioso com essas conversas. Nos últimos anos comecei entender aquelas conversas que ouvir há 50 anos atrás. Essas questões ambientais atuais me ajudam interprestar e compreender aquelas previsões ou profecias que ouvir na minha infância. Atualmente escuto pela imprensa falar das “Mudanças Climáticas”, “efeito estufa” “destruição da camada de ozônio” e outras “coisas”.
Na realidade já estou sentindo na pele os problemas causados pelos incêndios na floresta Amazônica, Cerrado e Pantanal. Ainda tenha presenciado a diminuição e progressiva extinção de várias espécies de animais e vegetais da minha região. Diante de tudo isso chego à conclusão que própria espécie humana encontra se também ameaçada.
As matas ciliares que protegem as nascentes, cabeceiras e ribeirões na terra indígena Apinajé encontram se em situação vulnerabilidade e grave ameaça diante dos riscos dos incêndios. Daí a urgência e necessidade dessa mobilização das Prefeituras locais em conjunto com a FUNAI, IBAMA Prev-Fogo e voluntários das comunidades pra realizar Ações Preventivas contra o fogo.
Neste ano de 2021 para realizar o Manejo Integrado do Fogo-MIF, nos meses de maio e junho, tivemos a parceria com a Brigada da Prefeitura Municipal de Cachoeirinha, FUNAI, Brigadistas Indígenas do Prev-Fogo e voluntários da comunidade. A falta de viaturas obrigou os Brigadistas Indígenas se deslocar em motocicletas para aplicação do MIF (ou queimadas preventivas) na terra Apinajé.
Diante dessas dificuldades, também temos buscado apoio de ONGs e parceiros da Sociedade Civil para resolver essas situações de emergências. No entanto, cabe as Prefeituras de Tocantinópolis, Maurilandia, São Bento do Tocantins e Cachoeirinha que tem áreas incidindo na terra indígena criarem suas próprias Brigadas de Emergências, afinal de contas os incêndios ocorrem nos municípios.
Este ano somente os Brigadista da Prefeitura de Cachoerinha, se mobilizaram para fazer as queimadas preventivas ou aplicação do Manejo Integrado do Fogo-MIF. As Ações foram realizadas em três Etapas com participação dos Brigadistas do IBAMA/Prev-Fogo, da Brigada do Município de Cachoeirinha e de alguns voluntários da comunidade indígena nas áreas de abrangência desse município.
No dia 16/06/2021 as queimas preventiva ocorreram na região do Ribeirão dos Caboclos e aldeia Cocalinho. As Ações continuaram no dia 18/06/2021 nas cabeceiras do Ribeirão São Bento e Angelo. E finalmente no dia 22/06/2021 Aplicamos o MIF nas cabeceiras do Ribeirão Botica, nas proximidades da aldeia Palmeiras.
É importante e necessário o papel dos órgãos governamentais na fiscalização, controle e prevenção aos incêndios florestais. Porém esse trabalho para ser bem sucedido muitas vezes depende da cooperação, apoio e participação direta da população sejam urbana e/ou rural. Lembrando que em 2017, foi assinado por diversos órgãos públicos e organizações da sociedade civil do Estado do Tocantins o “Protocolo do Fogo”.
Entre outros compromissos assumidos, as organizações que ratificaram o Documento se comprometeram trabalhar e agir para conscientizar sobre o uso preventivo e controlado do fogo em todo o Tocantins.
A Imprensa e os meios de comunicação também devem assumir e promover Campanhas de conscientização e esclarecimentos sobre os riscos dos incêndios florestais. Os veículos de imprensa locais; Rádios, Jornais, TVs e Sites também devem se engajar em Campanhas alertando a sociedade sobre os cuidados com o fogo.
Enfim todos podemos nos mobilizar para evitar danos e prejuízos para nossas comunidades, Municípios, Estado e o País. É possível sim, mobilizar a comunidade no sentido de conscientizar e prevenir desastres e tragédias associados ao uso imprudente e irresponsável do fogo.
Podemos sim, atuar na prevenção e evitar que os incêndios florestais continuem destruindo nossas florestas, biodiversidades, ameaçando vidas humanas e ofuscando ainda mais a imagem do Brasil no exterior.
Antônio Veríssimo da Conceição Liderança indígena Apinajé, ativista ambiental e comunicador social.