Ludmila Almeida/Articulação Agro é Fogo
Época de estiagem se aproxima e a atenção precisa ser redobrada contra os incêndios
Olá, companheiras e companheiros! Como estão?
Se em épocas menos secas os incêndios avançam como arma de consolidação do agronegócio, que não dá trégua, imagine o desastre que pode ocorrer em épocas em que a chuva é mais escassa.
A estiagem é um período seco e vem, ao longo dos anos, sendo intensificado pela mudança climática global. Com a umidade do ar e do solo ainda mais diminuídas, perdas de roças, falta d’água, altas temperaturas, só colaboram para o descontrole dos incêndios criminosos.
E não se engane que nessa época os grandes fazendeiros amenizam sua atuação no desmatamento, formação de pastagens e monoculturas, pelo contrário, para esses o período de estiagem é ideal para se mexer com o fogo e avançar em seu modelo de agronegócio. E o pouco que se fala é que esse uso irresponsável, nesse período climático, aumenta o potencial do fogo que corre invadindo o território dos povos e comunidades tradicionais, especialmente locais em conflito territorial. Com isso, grilagem, desmatamento e expulsão dos povos de suas terras são facilitados pelo período e, assim, se catalisa a impossibilidade de sobreviver na terra.
E a realidade atual é que já chegamos na estiagem com grandes quantidades de focos de incêndios. Conforme dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), até final de abril desse ano mais de 3 mil focos de incêndios foram contabilizados só no Cerrado, isso significa 11% a mais do que o mesmo período ano passado, é o local com maior ocorrência de incêndios do país, sendo Mato Grosso o Estado que lidera o ranking nacional.
O INCÊNDIO É ARMA NAS MÃOS DO AGRONEGÓCIO
Dados da Agro é Fogo e CEDOC-CPT, reafirmam a continuidade de tais números quando o assunto é a relação dos incêndios aos conflitos por terra. É possível perceber que as regiões que sofrem com desmatamento, grilagem e o sistema agro-minerador são as mesmas atingidas, de alguma forma, pelo fogo criminoso, que ameaça a sociobiodiversidade, a vida, e avança violentamente devastando por onde passa.
No ano de 2021, foram 37.596 famílias afetadas pelo uso do fogo como arma nos conflitos no campo. O Mato Grosso do Sul foi o Estado com a maior quantidade de conflitos envolvendo o incêndios, somando 26 conflitos. Ele é seguido pelo Mato Grosso, com 22 conflitos, e pela Bahia, com 14 conflitos.
O Cerrado e suas transições concentram 52% dos casos sobre conflitos por terra envolvendo o fogo, só aqui são mais de 21 mil famílias afetadas. Os Indígenas são os sujeitos mais afetados por esse tipo de ataque, sendo 39%; Assentados e Sem Terra, 22%; e 11% são Posseiros. Em relação a causa dos incêndios, 48% é indeterminado; 15% são por parte de fazendeiros e 12% são de grileiros.
O Cadernos de Conflitos da CPT 2021, lançado no final de abril, ressalta o acúmulo de ações de violências, além dos incêndios, contra os povos indígenas. O relatório mostrou um aumento de mais de 1.110% nas mortes em consequência de conflitos, dessas, 101 foram de indígenas Yanomamis, registradas no estado de Roraima, todas causadas por ação de garimpeiros.
O garimpo ilegal se tornou um dos principais indutores da violência no campo, como também é discutido e denunciado pelo DOSSIÊ AGRO É FOGO, no artigo “A expansão da mineração em terras indígenas: a boiada com casco de ferro e de ouro”, escrito por Luis Ventura Fernández, e pelo vídeo abaixo que retrata a linha do tempo de invasão às terra indígenas inclusive durante a pandemia.
A atividade garimpeira foi responsável por 92% das mortes por conflitos. No final de abril, na comunidade Aracaçá, que fica na região de Waikás, na Terra Yanomami, em Roraima, uma menina indígena de 12 anos foi assassinada depois de ser estuprada por garimpeiros e outras duas, uma mulher e outra criança de 4 anos, foram levadas da comunidade. Apenas a mulher sobreviveu fugindo pelo rio. Após isso, toda a comunidade desapareceu e foi incendiada e as causas do desaparecimento ainda são desconhecidas, mas é certo que muitos temem realizar a denúncia contra os garimpeiros pela contínua ameaça e intimidação realizada contra os indígenas
Levantamento inédito do CEDOC-CPT, aponta que o povo Guarani Kaiowá denunciou ao Conselho de Direitos Humanos da ONU e no lançamento do Caderno de Conflitos, o aumento da violência por intolerância religiosa contra os indígenas no Mato Grosso do Sul.
O motivo são os incêndios criminosos às casas de reza que se intensificaram nos últimos anos, ação que já envolveu quase 6 mil famílias no Brasil. Junto a esses incêndios, as mulheres também são ameaçadas a serem incendiadas, além de serem demonizadas, violentadas, chamadas de bruxas e feiticeiras por fundamentalistas da igreja pentecostal Deus é amor.
“Nós, mulheres Guarani-Kaiowá vamos seguir denunciando e construindo meios de proteção às mulheres Guarani-Kaiowá. Por que somos nós por nós. Dessa forma temos dado força uma à outra, dessa forma seguimos resistindo. Enquanto vozes tivermos, vamos seguir denunciando, por que somos mães, avós, temos filhas, temos família, temos um povo, Guarani-Kaiowá.” (Jaque Kuñangue Aty, indígena Guarani-Kaiowá (MS), durante lançamento do Caderno de Conflitos 2021 – CPT)
A VIOLÊNCIA NESSE PAÍS COMEÇA PELA TERRA
Segundo o Cadernos de Conflitos da CPT 2021, 97% das áreas de conflitos no campo localizam-se na Amazônia, não à toa, esse local também é cenário de 78% dos desmatamentos ilegais, 88% das expulsões, 82% das grilagens, 83% das invasões, 73% das omissões/conivências do Estado e 71% das violações nas condições de existência. E 25% dos conflitos por terra que envolvem fogo estão localizados na Amazônia.
Importante lembrar que a Amazônia foi palco do chamado Dia do Fogo, em 2019, que abriu passagem para pastagem e cultivo de monoculturas. Como discute e denuncia o DOSSIÊ AGRO É FOGO, no artigo “A boiada está passando: desmatar para grilar”, por Diana Aguiar e Mauricio Torres, desmatamento e incêndios são atos para um mesmo cenário: a expansão das fronteiras gananciosas do agronegócio.
Além disso, de acordo com levantamento de 2021, do Global Forest Watch, o Brasil lidera o ranking mundial de perda de florestas primárias, vegetação nativa. Já são 1,5 milhão de hectares a menos (40%). As maiores causas são devido a incêndios e desmatamentos.
MATO GROSSO EM ESTADO DE EMERGÊNCIA
Sendo o Estado com mais quantidades de focos de incêndios, Mato Grosso (MT) decreta situação de emergência ambiental até novembro. Concentrando mais de 32% de toda a contagem de focos de incêndio no país, segundo o INPE, o Estado continua noticiando casos em que o fogo é utilizado como arma em meio a conflitos por terra que envolvem os povos e comunidades tradicionais.
Segundo pesquisa do Painel de Ciências Pela Amazônia, da Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA), pelo menos 25% do Território Indígena do Xingu (TIX) já foi incendiado pelo menos uma vez. O estudo foi realizado na região nordeste do MT, onde está localizado o TIX, criado em 1961, que reúne mais de seis mil pessoas, de 16 etnias diferentes, em 100 aldeias.
Casos de violência e incêndios continuam sobre as populações indígenas do MT. Como foi na aldeia Pagoa Hagoia, no município de Rondolândia, a 1.600 km de Cuiabá, na divisa com Rondônia, em que a casa de cacique e de mais duas famílias indígenas, da etnia Suruí, foram incendiadas quando eles estavam em um evento em alusão ao Dia do Índio.
Outro caso é sobre a Terra Indígena Piripkura, em Mato Grosso, que conta com a presença de indígenas isolados. O local é considerado a porta de entrada da Amazônia Legal e foi afetada, ano passado, por incêndios em áreas invadidas e que foram leiloadas em São Paulo como fazendas. O processo de demarcação dessa área já se arrasta por quase 40 anos e o terreno sobreposto à terra indígena equivale a 12 mil campos de futebol.
Só nessa Terra Indígena, até outubro de 2021, o sistema de monitoramento independente do Instituto Socioambiental, registrou um desmatamento de 12.426 hectares, o que equivale a mais de 7 milhões de árvores derrubadas. Somente nos últimos dois anos, o desmatamento destruiu 2.361,5 hectares, um aumento vertiginoso de 27.000%. Uma área com cerca de 1,3 milhão de árvores foi degradada por incêndios, ficando pronta para a implantação ilegal de pastagens e grilagens.
Devido aos grandes índices de incêndios no Estado, o governador Mauro Mendes assinou o decreto que prevê emergência ambiental, entre os meses de maio a novembro, e determina a proibição do uso de fogo para limpeza e manejo de áreas rurais, entre 1º de julho e 30 de outubro de 2022, em Mato Grosso. Neste ano, a estratégia conta com R$ 60 milhões de investimento para aquisições e operações ambientais, e a instalação do Comitê Estratégico para o Combate do Desmatamento Ilegal, a Exploração Florestal Ilegal e aos Incêndios Florestais (CEDIF-MT), que vai monitorar quinzenalmente as ações previstas.
PARA ACALMAR O INCÊNDIO, MULHERES BRIGADISTAS UNEM SABEDORIAS
Com a estiagem chegando, o trabalho das e dos brigadistas se torna ainda mais intenso. Para este ano a situação pode ser ainda pior devido ao corte de 8,6 milhões em verbas ter sido vetado pelo presidente Jair Bolsonaro, recurso que seria utilizado para combate ao desmatamento, para a prevenção e controle de incêndios florestais.
Como aponta o DOSSIÊ AFRO É FOGO, no artigo “Resistindo aos incêndios: saberes tradicionais nas brigadas indígenas no Tocantins”, escrito por Antônio Veríssimo, Eliane Franco e Jeovane Gomes, e ressaltado com a matéria da Repórter Brasil, a atuação das mulheres brigadistas nos territórios, diante desse cenário de negligência do governo, cresce e reforça, mesmo com poucos recursos, a barreira contra a invasão do fogo criminoso.
“Não adianta só a gente falar que protege a floresta, tem que atuar. E o melhor jeito pra isso é sendo brigadista. Na mata em fogo, a gente entra sem saber como vai sair. São muitos os riscos pois estamos na linha de frente, mas é gratificante”, diz Sonia Barbosa, do povo Guarani, ao Repórter Brasil. “Nosso pensamento é um só: o de acalmar o fogo. É como se a gente chegasse na queimada e falasse pro fogo: ‘calma, a gente vai te acalmar’, como um psicólogo. É com essa sabedoria que temos da natureza que combatemos o fogo”.
Frente aos conflitos, as mulheres resistem. Ainda conforme levantamento do Cedoc-CPT, entre as duas principais violências contra a pessoa sofrida por mulheres em conflitos no campo, em 2021, a Ameaça de Morte e a Intimidação representam, respectivamente, 43,5% e 18,8% das violências sofridas por elas. Contudo, embora a Humilhação seja apenas a quinta violência mais sofrida por mulheres, com 10,1% das violências, ela tem um peso maior do que para os homens.
Na proteção da sociobiodiversidade, mais do que combater, as e os brigadistas realizam prevenção e educação ambiental durante todo o ano, justamente para quando o período de estiagem chegar, os incêndios possam ser barrados. Isso garante não só o controle do fogo, mas também a manutenção da vida e dos saberes junto ao seu território.
Por isso, como pontua o DOSSIÊ AGRO É FOGO, o trabalho das e dos brigadistas deve ser mais valorizado. No entanto, nos últimos anos, devido esse sistemático desmonte e sucateamento do Ibama, os recursos às brigadas foram reduzidas.
Ficamos por aqui, sempre em luta.
Até a próxima!