RESISTINDO AOS INCÊNDIOS: saberes tradicionais nas brigadas indígenas no Tocantins

Por Antônio Veríssimo da Conceição, Eliane Franco Martins e Jeovane Gomes Nunes

O estado do Tocantins é casa de aproximadamente 14 mil indígenas de diversos povos – Karajá, Javaé, Xerente, Apinajè, Krahô, Krahô-Kanela, Karajá Xambioá, Avá-Canoeiro, Kanela do Tocantins –, uns com sua terra demarcada e outros em luta pela demarcação. Os territórios têm sido ameaçados pelos incêndios criminosos que ganharam força nos últimos anos, colocando em risco a continuidade da vida sociocultural desses povos.

Na transição entre o Cerrado e a Amazônia, o Tocantins se encontra na região conhecida por Matopiba, onde há um acelerado processo de grilagem de terras e avanço das monoculturas de grãos sobre áreas de pastagens[1]. O fogo se espalha rapidamente no período seco, entre maio e setembro, em áreas de florestas e de pastagens, mas não é um evento isolado: os incêndios são uma das etapas de um processo que consiste na retirada e venda ilegal de madeira, no desmatamento e na grilagem de terras e de águas, impulsionados pela expansão da fronteira agrícola[2], com apoio de grandes empresas transnacionais do agronegócio e da mineração.

As consequências desse processo são prejudiciais tanto para a sociobiodiversidade quanto para saúde humana. De forma direta, os incêndios têm gerado doenças respiratórias, como bronquite, sinusite e rinite.

De acordo com dados coletados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o Tocantins teve 12.093 focos de calor em 2020[3]. Nas Terras Indígenas (TI), os números também assustam: foram 2.239 focos, metade deles na TI Parque no Araguaia, na Ilha do Bananal, território do povo Javaé e Karajá, lar de mais de 5 mil indígenas[4], incluindo povos livres/isolados. Bastante afetado foi um local conhecido como Mata do Mamão, que engloba a região sul da TI Inawebohona, e uma pequena parte da TI Parque do Araguaia. Essa área é muito cobiçada pelo setor agropecuário pois, além de possuir diversos bens naturais, também é propicia para a criação de gado de corte. Em 2021, entre janeiro e novembro, o Inpe identificou 9.831 focos de calor no Tocantins, sendo 2.676 focos em terras indígenas, dos quais 1.393 só na TI Parque do Araguaia.

Notas
Sobre a relação entre desmatamento e grilagem.

Inpe/SIG BDQueimadas, que permite visualizar os focos de calor em um Sistema de Informação Geográfica On-Line (WebGis), com opções de filtragem em períodos, regiões de interesse, satélites, planos de informação. Analisado pelo conselho indigenista missionário CIMI Regional Goiás Tocantins

Levantamento CIMI Goiás/Tocantins, 2021. Ver neste dossiê “Fogo ameaça povo isolado na Ilha do Bananal”.

O fogo como elemento da vida em comunidade

Um homem xerente chamou seu cunhado mais novo para tirar filhote de arara vermelha. Chegando ao pé do morro colocaram um pedaço de pau para subir, a fim de ver o ninho e tirar os filhotes de arara. O menino mais novo subiu, jogou uma pedra e depois jogou outra pedra. Ao quebrar a pedra, disse que não tinha filhote de arara. O homem tirou o pau do morro e foi embora deixando o menino em cima do morro, sozinho, com fome e sede.

Um dia chegou a onça macho, e chamou o menino: “o que você está fazendo aí em cima?”. O menino contou tudo, a onça o ajudou a descer, o menino tinha medo da onça, mas a onça disse que não ia comer ele. A onça o levou para casa, onde a onça fêmea brigou com o marido por ter levado um menino magro e feio pra casa. A onça macho pediu pra esposa dar comida para o menino, e a onça fêmea deu-lhe carne moqueada e carne assada.

Um dia a onça viu na floresta a família do menino procurando ele. A onça macho resolveu mandar o menino de volta para a aldeia, pintou ele e fez um arco e flecha, e disse: “se a onça fêmea quiser te comer, pode matá-la”, e a onça fêmea atacou o menino, e o menino matou a onça. Quando chegou na aldeia, ele contou toda a história e disse que tinha comido carne assada, e que quem tinha o fogo era a onça. Toda aldeia se reuniu e foi atrás da onça pra buscar o fogo. Chegando na floresta, a onça tinha colocado fogo num jatobá. Começou uma discussão sobre quem ia levar o fogo. A suçuapara que levou o fogo para aldeia, o fogo foi repartido e cada um ficou com o fogo. Na época da descoberta do fogo muitos que participaram viraram animais como: tatu, galinha d’água, nambu[5].

Para os povos indígenas do Tocantins, o fogo é um elemento importante para a vida. Seu manejo é parte constitutiva da sua forma de fazer agricultura e de criar sociobiodiversidade[6]. Na época do roçado, entre junho e setembro, as famílias se reúnem para limpeza dos limites entre aldeias e a mata e dos pátios das aldeias. O fogo também é utilizado para outros fins, como caça, pesca e rituais religiosos. Dessa maneira, a cultura do fogo nos povos indígenas sempre esteve presente, de modo que a natureza sempre fosse respeitada, e que a sustentabilidade da vida fosse garantida.

“Aqui no meu povo nós temos a preocupação de não deixar queimar a mata. Nós fazemos nossas roças, as caçadas, as pescarias, sempre com muito cuidado. O fogo que utilizamos de forma tradicional sempre foi para o cultivo e melhoramento das nossa plantações. A roça, pra ela dar os legumes, precisa passar por esse processo de queima do roçado, evitando muito mato e insetos na roça. Por esse motivo, nós Apinajé, sempre no período de junho a setembro, derruba, encovaria, queima, e em outubro começamos a plantar.”

Alan Apinajé

Ao cultivarem seus roçados e suas outras práticas tradicionais de pesca, caça e limpeza do ambiente da aldeia, fazem aceiros antes de utilizar o fogo. Os aceiros, técnica tradicional de manejo do fogo, são faixas limpas de vegetação e matéria orgânica que evitam o fogo de “pular” para onde não se quer que ele chegue. Essa limpeza previne o fogo de sair do controle. A maioria das roças dos povos indígenas estão próximas a córregos e pequenos rios, onde a terra a ser cultivada é melhor, pois esse tipo de solo, mais úmido, favorece a queima do roçado prevenindo os possíveis incêndios nas florestas.

Quando se coloca um roçado, toda comunidade é responsável: um mutirão é realizado, a fim de que o fogo utilizado naquele momento sirva apenas para o cultivo da roça. Nos diferentes povos do Cerrado, inclusive no Tocantins, prevenir os incêndios e combater o fogo é de responsabilidade coletiva de toda a comunidade.

Notas
Livro de mitos Akwe Xerente, pp.30-36. CIMI GOTO (1991)

Saberes indígenas nos programas de combate ao fogo

A partir de 2013, foram criadas as brigadas indígenas dentro do Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo), que faz parte da estrutura do Ibama. O Prevfogo é responsável pela política de prevenção e combate aos incêndios florestais em todo o território nacional, incluindo atividades relacionadas a campanhas educativas, monitoramento e pesquisa, além de treinamento e capacitação de produtores rurais e brigadistas.

O Programa Brigadas Federais, criado a partir de um acordo de cooperação entre Ibama e Funai, é uma experiência de manejo do fogo que usa o conhecimento tradicional indígena em conjunto com o apoio técnico e financeiro dos órgãos governamentais[7]. O objetivo é prevenir os incêndios da estação seca e combatê-los quando necessário. Em 2020, segundo dados da Funai, havia 41 brigadas indígenas atuando em todo o país, com mais de mil brigadistas indígenas envolvidos na proteção de mais de 14 milhões de hectares de terras indígenas[8]. Essas brigadas são muito importantes para o cuidado dos territórios pois já está comprovada a eficiência dos brigadistas indígenas no combate aos incêndios.

Esses brigadistas indígenas recebem formação com a finalidade de realizar a prevenção e combate aos incêndios florestais nos territórios indígenas. O projeto ambiental também promove a geração de renda para os povos, pois muitos brigadistas são remunerados. Dentre os indígenas, há uma proposta de que a remuneração se estenda por todo o ano, pois atualmente eles só recebem entre os meses de junho e dezembro.

Para combater o fogo, os brigadistas usam bombas-costais, uma espécie de mochila que aguenta 20 litros de água nas costas, abafadores e sopradores. Os uniformes são específicos para a atuação – óculos de proteção, sapatos que resistem às brasas do chão, além de roupas cujo tecido isola do calor do fogo por até dois minutos. Uma perneira protege as pernas de animais peçonhentos e espinhos.

Brigadas indígenas no Tocantins[9]

Para Wagner Katamy Krahô-Kanela, presidente da Associação do Povo Indígena Krahô-Kanela (Apoinkk) e chefe da brigada voluntária recém formada, as brigadas representam uma conquista para as comunidades. De acordo com o brigadista, para o ano de 2022 já estão previstas atividades de queimas prescritas, no âmbito das ações de Manejo Integrado do Fogo/MIF na área. “O que mais almejamos é proteger nossa terra contra o fogo de forma segura, organizada e eficaz”, ressaltou Wagner.

Para além do combate aos incêndios, as brigadas também servem como mecanismo de fiscalização territorial, pois durante suas rondas os indígenas observam fatores suspeitos em suas terras e, caso haja algum tipo de irregularidades, denunciam aos órgão competentes.

As brigadas indígenas têm desempenhado importante função de prevenção e combate a incêndios florestais. O acordo celebrado entre a Funai e o Ibama, para o curso de formação de brigadistas, combinado com o conhecimento ancestral indígena e técnicas do manejo integrado do fogo, só tem a contribuir no combate aos incêndios. Porém, as taxas de fogo na Amazônia brasileira aumentaram também por conta do sucateamento do Ibama e da Funai e como reflexo da desvalorização das políticas públicas ambientais sobre fogo nas Terras Indígenas[10]. Devido à extensão territorial, a quantidade de brigadistas não corresponde com a realidade dos territórios.

Além da relação institucional com o Prevfogo, os povos indígenas constroem parcerias com municípios e entidades comprometidas com a questão socioambiental para o fortalecimento de suas brigadas e preservação territorial. Um exemplo é a parceria com o Conselho Indigenista Missionário, regional Goiás/Tocantins, que fez doações de equipamentos de combate ao fogo[11].

Nesse contexto, podemos dizer que as brigadas indígenas são essenciais para a manutenção e conservação dos territórios indígenas e equilíbrio da sociobiodiversidade.

Notas
Foram doadas máscaras, mochilas, sopradores e abafadores, totalizando 138 unidades de equipamentos distribuídos nas brigadas indígenas.

A Brigada Indígena Xerente: mulheres combatem os incêndios

O povo Akwe Xerente pertence ao tronco linguístico macro Jê, e seu território está localizado a setenta quilômetros de Palmas, com uma população de aproximadamente 4 mil indígenas, divididos em 5 regiões, com 94 aldeias. O município de referência para o povo Xerente é Tocantínia, onde são atendidos pelo polo base de saúde indígena e a Funai.

O território Xerente foi demarcado em duas áreas, em épocas e processos diferentes. A primeira, denominada Área Xerente, chamada pelos indígenas de Área Grande, foi demarcada no ano de 1972; a segunda área, chamada Funil, em 1982. Com as duas demarcações o território soma mais de 183 mil hectares.

Sua organização sociocultural e política são regidas por duas metades e cada metade com três clãs: metade Wahirê (clãs Warirê, Krozake e Kreprehi) e a metade Doí (clãs Kbazi, Kritô e Kuzâ). Sua descendência é patrilinear[12]. Na divisão política do povo, o cacique e os anciãos são importantes membros da comunidade.

A construção da rodovia TO-010 cortou o território Xerente e interliga a capital Palmas aos municípios de Pedro Afonso, Rio Sono e Aparecida do Rio Negro. Há mais de 20 anos, o povo é atormentado pela ameaça de asfaltamento da rodovia, algo que vai facilitar a entrada de invasores e outros problemas. Grandes impactos ambientais e socioculturais foram provocados pela construção da Hidrelétrica de Lajeado, no rio Tocantins. Outros projetos de infraestrutura, como UHE do Rio Sono e hidrovia Araguaia- Tocantins, continuam a ameaçar seus modos de vida.

O território xerente sofre ainda com projetos de monoculturas de soja, cana-de-açúcar e melancia, e com elevado desmatamento nos seus limites. Na época da pulverização de agrotóxicos sobre as lavouras, os aviões sobrevoam as aldeias trazendo graves prejuízos à saúde dos indígenas, suas plantações e animais, contaminando a água e o solo. A pressão do agronegócio sobre o território vem gerando desafios para as aldeias, com a proposta de arrendamento de terra. Segundo informações levantadas pelo Cimi Goiás e Tocantins, a região registra significativos focos de calor no estado e a situação é ainda mais grave durante o período da seca.

É nesse contexto que foi formada a primeira brigada indígena feminina do estado do Tocantins em 2021. Em formação realizada pelo Ibama em parceria com a Associação dos Brigadistas Akwe de Prevenção e Controle às Queimadas e Combate a Incêndios Florestais (Abix), na aldeia Cachoeirinha, 29 mulheres aprenderam as técnicas de apagar o fogo. Elas passaram a participar da brigada voluntariamente, pois a prefeitura de Tocantínia e o Ibama alegam não terem orçamento para a contratação, já que os brigadistas homens já exercem essa função remunerada. As mulheres vão atuar nas 94 aldeias, na conscientização e no combate aos incêndios.

Notas

Quando o sobrenome e a descendência são passadas pelo lado paterno.

Em algumas roças tradicionais do povo, as mulheres xerente brigadistas realizaram as queimadas controladas junto com a comunidade, colocando em prática o aprendizado da formação, unido ao saber ancestral.

Mesmo com a descendência patrilinear, as mulheres xerente têm espaço importante na cultura do povo. Em seu dia a dia, além dos afazeres domésticos, coletam frutos do Cerrado e trabalham com a fabricação de artesanato de buriti e capim dourado, conhecimento que apenas elas detêm. Com a venda, a mulher xerente passou também a contribuir com o sustento das famílias, além das roças tradicionais que elas plantam junto com a comunidade. As mulheres cuidam das crianças, fazem a pintura dos clãs nas crianças e jovens, e têm o papel de alfabetizar na língua materna.

Ao longo dos anos, as mulheres conquistaram a confiança dos caciques e lideranças para atuarem em espaços sociopolíticos. Elas denunciam nos órgãos públicos o desmatamento e a venda ilegal de madeira dentro da TI. Assim, dentro e fora das aldeias, participam do movimento regional e nacional na luta pelos direitos constitucionais dos indígenas. Elas passaram a integrar a brigada para fortalecer ainda mais a defesa do território.

Brigadistas indígenas apinajé: na defesa do território

Os quase 3 mil indígenas apinajé vivem em 54 aldeias localizadas em pontos estratégicos para a garantia da proteção territorial contra invasões. A sua organização social é composta por vários sistemas complexos de metades cerimoniais e grupos rituais. São caçadores e coletores, e praticam a agricultura de subsistência.

O povo Apinajé é um grupo Timbira e convive com o Cerrado de forma respeitosa e harmoniosa. Antigamente, os povos timbira faziam muitas viagens no interior do território, porque havia muita invasão. Na viagem, realizavam a queimada controlada para facilitar a limpeza das estradas para a caminhada – livrando as pessoas dos espinhos das palmeiras de Tucum, em especial os guerreiros que iam monitorar o território, fazendo coleta de frutos, caçando e pescando, e aqueles que saíam até a região do rio Araguaia, fazendo pescaria e reconhecendo o território em busca de remédios.

O fogo também é usado para caça. Na caçada da ema no Cerrado, por exemplo, se faz uma queima, pois a ema gosta dos brotos de capim que crescem após a queimada. O fogo também serve como comunicação: depois das chuvas, se há queima, é sinal de que tem alguém naquela região. Se não tem indígena, o povo já sabe que tem invasor, e pode ir até lá verificar quem está no território.

As aldeias do povo Apinajé se localizam às margens dos córregos que passam dentro do território, que são afluentes dos rios Tocantins e Araguaia. Os roçados sempre estão próximos às aldeias, e o manejo do fogo nas queimadas tradicionais é realizado pela comunidade em forma de mutirão. No momento da queimada da roça, outros parentes são convidados para estarem juntos e não deixarem que o fogo saia da roça para mata. Todo processo desde o início do roçado é acompanhado pela comunidade: derrubada, queima, plantio, limpeza da roça e a colheita.

O fogo é característico dos campos do Cerrado e faz parte da sua regeneração. Muitas sementes dormentes precisam do fogo para poderem germinar. Os focos surgem nas horas quentes do dia, entram noite adentro e podem durar vários dias, semanas e até meses. No entanto, a cada ano os focos de incêndios parecem mais violentos e descontrolados, ocasionados pela ação humana, em especial pelo agronegócio, adquirindo caráter criminoso.

A implementação dos grandes projetos de monocultura tem provocado impactos na TI Apinajé, pelo avanço da soja, de eucalipto e, mais recentemente, com a chegada da cana-de-açúcar na região. Há também o impacto da barragem de Estreito já construída e da Serra Quebrada, em estudo. Além desses projetos, existe ainda a ameaça constante da implantação da hidrovia no rio Tocantins. Carvoarias instaladas no entorno da terra provocam desmatamento e desequilíbrio ambiental e climático.

Todos esses empreendimentos geram mudanças forçadas e afetam o cotidiano da vida dos indígenas nas aldeias, ocasionando conflitos internos, violências, alcoolismo, diminuição de peixes e caças, poluição dos rios e córregos.

A Brigada Indígena Apinajé foi criada em 2014, com a finalidade de realizar a prevenção e combate aos incêndios florestais. A maioria dos brigadistas são homens, mas mulheres também atuam; são jovens, em média entre 18 e 25 anos de idade. Eles são treinados e preparados pelo Ibama para realizar combates em variados tipos de ambiente ou terreno, seja nos campos ou florestas, durante o dia ou à noite. No período mais crítico, entre julho e setembro, os brigadistas sempre permanecem de prontidão e em alerta. A Brigada Apinajé mantém um escritório operativo numa sala do prédio da Funai em Tocantinópolis. Nesse local, existe uma equipe monitorando e acompanhando em tempo real as ocorrências e focos de incêndios na terra indígena e entorno, e que mobiliza os brigadistas para realizar o combate nos locais onde for detectado algum foco. Às vezes, essas ações são realizadas em parceria e em conjunto com brigadistas das prefeituras locais.

Os brigadistas muitas vezes atuam em terrenos difíceis, enfrentado caminhadas à pé, altas temperaturas e escuridão. Mesmo usando uniformes, botas e luvas, existem riscos de acidentes e picadas de animais peçonhentos; especialmente quando o combate acontece à noite. Por causa da exposição direta ao calor e pela pressão psicológica gerada pela atividade, alguns brigadistas às vezes passam mal durante as ações. Houve casos em que esses indígenas desmaiaram durante um combate e foram removidos para atendimento médico nas UPAs mais próxima do local. Nos últimos anos, alguns brigadistas estão apresentando sintomas de arritmia e outras complicações cardíacas em razão dessa atividade estressante, impactante e cansativa.

A prevenção, atividade essencial, é realizada nos meses de maio e junho de cada ano para diminuir os riscos de incêndios e evitar que o fogo saia do controle e se alastre nas florestas. Ela é a melhor e mais eficiente arma contra os incêndios, assim como a conscientização da população indígena e não indígena da região. O ideal seria que essas ações fossem realizadas também entre novembro e abril, aproveitando o período chuvoso, quando não existem riscos de fogo, com reuniões e palestras nas aldeias e povoados do entorno.

Ainda persiste muita desinformação e falta de compreensão sobre o que significa e porque é realizada a queima tradicional pelos povos do Cerrado. Os próprios órgãos de monitoramento do governo confundem os focos de calor que ocorrem em maio e junho nas TIs, como se fosse necessariamente “fogo ruim”. Mas o sucesso das brigadas mostra a importância dos saberes ancestrais no manejo do fogo.

É dever dos governos federal, estaduais e municipais adotarem políticas públicas adequadas e eficientes de prevenção e combate aos incêndios florestais; especialmente investindo em equipamentos, contratação e capacitação de pessoal. O trabalho dos brigadistas deve ser mais valorizado. Nos últimos anos, devido esse sistemático desmonte e sucateamento do Ibama, as brigadas foram reduzidas. Faltam veículos, combustíveis e equipamentos de combate. Verifica-se também atrasos na assinatura de contratos. A falta de viaturas obrigou os brigadistas Apinajé a se deslocarem em motocicletas para aplicação do MIF. Mas os indígenas continuam mobilizados e buscam parcerias para que os incêndios não destruam os territórios.

Antônio Veríssimo da Conceição é liderança indígena apinajé, ativista ambiental e comunicador social.

Eliane Franco Martins é historiadora pela Universidade Luterana do Brasil, especialista em História e Cultura Africana e em História e Cultura Indígena pela Uivsersidade Federal do Tocantins e membro do Conselho Indigenista Missionário.

Jeovane Gomes Nunes é graduado em Geografia pela Universidade Federal do Tocantins e membro do Conselho Indigenista Missionário.